Em 2020 tivemos uma entrevista com a Doutora Olívia de Quintana Figueiredo Pasqualeto [1], da OAB ESA, sobre arquitetura no ambiente de trabalho, home office e pandemia. A entrevista está disponível no site (https://esaoabsp.edu.br/Artigo?Art=238) e nas próximas linhas.
PANDEMIA, TRABALHO E SAÚDE NO ESCRITÓRIO: COMO A ARQUITETURA PODE INFLUENCIAR O MEIO AMBIENTE LABORAL?
Meio ambiente, nele incluído o meio ambiente do trabalho (artigo 200, VIII da Constituição Federal), é um tema interdisciplinar por natureza. Quando estudamos ou vivenciamos esse ambiente, percebemos que diversos fatores – físicos, químicos, biológicos, sociais, etc. – podem influenciar no seu equilíbrio.
Uma evidência dessa diversidade que marca o meio ambiente do trabalho envolve a legislação trabalhista e, mais especialmente, as Normas Regulamentadoras (NR), as quais dispõem sobre mecanismos de prevenção e proteção da saúde e segurança dos trabalhadores em relação aos mais diversos riscos, a exemplo da ergonomia (NR17), condições sanitárias e conforto (NR24), sinalização de segurança (NR26), etc.
Com a pandemia de Covid-19, no entanto, a interdisciplinaridade do tema ficou ainda mais notória. O perigo do contágio pelo novo coronavírus batendo a nossa nos forçou a dar mais atenção para a higiene dos espaços, o distanciamento entre as pessoas, a ventilação do ambiente, etc. Por isso, diferentes áreas do conhecimento passaram a exercer um papel ainda mais relevante na promoção de um ambiente de trabalho saudável e na redução dos riscos labor-ambientais, direitos constitucionalmente assegurados aos trabalhadores (artigo 7º, XXII da Constituição Federal) e em tratados internacionais ratificados pelo Brasil (a exemplo do Pacto de Direitos Econômicos Sociais e Culturais (PIDESC) e da Convenção nº 155 da OIT).
Ao estudar o tema, especialmente no tocante à rotina em escritórios (de advocacia) e às novas necessidades para promoção de um meio ambiente do trabalho equilibrado (artigo 225 da Constituição Federal), analisamos a publicação “Manual pós Covid: o caminho de volta ao trabalho" (https://www.momba.arq.br/manual), de autoria dos arquitetos Arthur Mansur e Bruna Louise (AMBL), que responderam algumas perguntas sobre a influência da arquitetura no ambiente de trabalho e indicaram algumas possíveis estratégias para tornar o escritório um espaço mais confortável e seguro para o trabalho, considerando também esse momento de pandemia.
ESA-SP Pesquisa: A arquitetura pode influenciar o bem-estar no trabalho? Como?
AMBL: Com certeza. O meio físico em que trabalhamos ou vivemos influencia a sensação de bem-estar. Os espaços de trabalho sofreram diversas mudanças ao longo da história, acompanhando as tecnologias e conceitos de trabalho. Nos últimos anos, além das questões práticas, avalia-se a experiência humana – coletiva e individual – no desenho dos espaços de trabalho. É importante entender que a experiência e percepção humana do espaço transcende questões visuais ou puramente técnicas e operacionais, ela passa por múltiplos sentidos, registra estímulos e media relações e interações humanas. Quando pensamos em ambientes corporativos, além de proporcionar conforto físico e ergonômico, a arquitetura pode promover dinâmicas internas de interação, estimular o desempenho e a produtividade dos funcionários, despertar senso de pertencimento. Todas essas qualidades estão diretamente relacionadas ao bem-estar no ambiente de trabalho
ESA-SP Pesquisa: Quais são os principais elementos arquitetônicos que podem promover mais conforto no ambiente de trabalho e, consequentemente, melhorar as condições labor-ambientais?
AMBL: Quando pensamos em aspectos físicos e técnicos podemos citar alguns pontos principais como: iluminação, temperatura, sonoridade, ventilações, circulações e ergonomia. A luz, por exemplo, interfere significativamente no ânimo das pessoas e na qualidade do trabalho. Assim, além das questões normativas que devem ser respeitadas, temos questões mais sensíveis como o ciclo circadiano, no qual a iluminação artificial trabalha de forma conjunta com a iluminação natural respeitando o relógio natural do corpo, criando ambientes mais agradáveis e saudáveis. Simultaneamente há questões emocionais que os espaços geram e constroem. Nas últimas décadas tem-se implantado novas áreas nos espaços laborais voltada para os trabalhadores, como áreas de relaxamento e interação, ou ainda, as áreas de privacidade para concentração ou assuntos confidenciais. Outro tema importante é a relação homem e natureza: estudos científicos nas mais diversas áreas apontam que os ambientes repletos de vida verde influenciam a mente humana de forma positiva, reduzindo os níveis de estresse e ansiedade, melhorando o humor e concentração. Por fim, as cores também exercem um papel importante na percepção do espaço e devem ser pensadas de acordo com cada área e as atividades ali desenvolvidas.
ESA-SP Pesquisa: O trabalho realizado de forma remota, em casa, popularmente conhecido como home office é uma forma de trabalhar que cada vez mais ganha espaço. Considerando organização, conforto e saúde dos trabalhadores, quais são os principais pontos a serem observados quando pensamos na infraestrutura do home office?
AMBL: Trabalhar em casa, com qualidade, pode exigir algumas adaptações na rotina e no espaço físico dos trabalhadores. É importante eleger um espaço da casa para o home office. O tamanho desse espaço pode variar de acordo com a disponibilidade da casa ou a necessidade do usuário, ocupando um cômodo completo ou uma mesinha compacta. O importante em eleger um espaço é limitar a área de trabalho, separando-a do descanso ou lazer, e claro, criar condições favoráveis às atividades laborais. Assim como nos espaços corporativos, os principais fatores físicos são ergonomia, mobiliário e iluminação (natural ou artificial). Conforto térmico e acústico também devem ser observados.
ESA-SP Pesquisa: Com o espraiamento da pandemia de Covid-19, a dinâmica de trabalho foi totalmente alterada, exigindo adequações no ambiente de trabalho para evitar a transmissão e contágio. Nesse sentido, a arquitetura pode ser uma aliada no processo de adaptação. Como podemos adaptar os escritórios – salas de reunião, estações de trabalho, cozinhas e outros ambientes tradicionalmente compartilhados – para atender às novas exigências sanitárias?
AMBL: A volta ao trabalho depende de um conjunto de estratégias que irão variar de acordo com a atuação das empresas. A primeira tarefa é desenhar um diagrama que compreenda todos os pontos que envolvam a volta ao trabalho, que para os funcionários, vão da saída de casa até a mesa do escritório. Pode-se dizer que existem dois pontos principais que devem ser considerados nessa volta: mudanças físicas do ambiente de trabalho e mudanças comportamentais. Ao pensarmos nas mudanças físicas necessárias é importante que as empresas tenham total compreensão de seus espaços. Conseguir uma planta arquitetônica atualizada é fundamental na criação de uma visão precisa de todo o ambiente de trabalho. Desta forma será mais fácil criar estratégias como pontos de higienização e informatização, capacidade máxima de funcionários respeitando o distanciamento social e possibilidades como circulações unidirecionais e entradas e saídas exclusivas. A volta ao trabalho deve compreender também novas políticas comportamentais que deverão ser adotadas por todos os funcionários e pela empresa. Medidas como: protocolos de limpeza e higienização (rotinas de limpeza da empresa e de autocuidado dos funcionários); medidas de segurança no atendimento de visitas, fornecedores e entregas; novas formalidades de etiquetas como cumprimentos, interações, happy hours e afins.
ESA-SP Pesquisa: Assim como as demais áreas, a tecnologia influenciou bastante a arquitetura e pode ser uma aliada no combate ao novo coronavírus. Quais as novidades em termos de tecnologia arquitetônica que podem ser úteis para o enfrentamento da pandemia?
AMBL: Não precisamos transformar nosso espaço em verdadeiros filmes sci-fi para enfrentarmos a pandemia. Procure tecnologias chamadas de Low Touch, que excluam o toque, seja ela de aproximação até mesmo de identificação facial. Pense desde as cancelas do estacionamento até os relógios de ponto eletrônico. Muitos estabelecimentos já estão implementando totens de higienização com dispensers automáticos e portas de abertura automática. Muitos países já estão implementando mecanismos de detecção sintomas de coronavírus. Chamados de Terminais inteligentes, eles são capazes de rastrear sintomas da Covid-19 por meio de reconhecimento facial. É importante entendermos também quais tecnologias do nosso dia a dia tornaram-se prejudiciais no combate ao covide-19. É essencial que as empresas revejam seus sistemas de ventilação artificial e natural. De acordo com a CDC (Center for Disease Control and Prevention) sistemas tradicionais de circulação de ar, como o ar condicionado, fazem com que possíveis “microgotas com carga viral” sejam espalhadas pelo ambiente.
ESA Pesquisa: Gostariam de acrescentar algo?
AMBL: O ambiente de trabalho ocupa um papel essencial quando pensamos em bem-estar, saúde e produtividade. É nosso papel abandonarmos uma visão funcionalista dos espaços e nos lembrarmos diariamente que devemos criar lugares para pessoas reais, que possuem desejos, defeitos e qualidades, necessidades e vontades.
Tratar o meio ambiente do trabalho de forma interdisciplinar, a exemplo dessa interação com a arquitetura, nos faz perceber que a promoção do equilíbrio labor-ambiental perpassa a legislação trabalhista – a exemplo das NRs, de dispositivos da Consolidação das Leis do Trabalho sobre a estrutura das edificações (a exemplo do artigo 171, sobre a altura mínima do pé-direito) – e podem ir além, buscando maior conforto para os trabalhadores, a exemplo das cores utilizadas nas paredes.
O diálogo com outras áreas, a exemplo da arquitetura, nos ajuda a pensar e promover um conceito mais abrangente de saúde – que não se preocupa apenas com a ausência de afecções ou doenças – mas busca promover um “estado de completo bem-estar físico, mental e social”, conforme conceito de saúde adotado pela Organização Mundial de Saúde (OMS) e tido como um direito humano.
Referências
OMS. Constituição da Organização Mundial da Saúde. 1946. Disponível em < http://www.direitoshumanos.usp.br/ index.php/OMS- Organização-Mundial-da-Saúde/constituicao-da-organizacao-mundial-da-saude-omswho.html > Acesso em 9 jul. 2020.
[1] Doutora e Mestra em Direito do Trabalho e da Seguridade Social pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Graduada em Direito pela Faculdade de Direito de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo. Professora de Direito do Trabalho da Universidade Paulista e da Universidade São Judas Tadeu. Pesquisadora da Escola Superior de Advocacia de São Paulo. Advogada.
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